Doença Degenerativa Valvular Mitral (DDVM) em cães: o que precisa de saber
17 Junho 2025

A Doença Degenerativa Valvular Mitral (DDVM) é uma das causas mais comuns de insuficiência cardíaca em cães, especialmente em raças de pequeno porte. Este artigo aborda os principais aspetos desta patologia: desde a fisiopatologia à sua progressão clínica, passando pelo diagnóstico e momentos-chave para intervenção terapêutica. Com foco nos sinais precoces, critérios de classificação e opções de tratamento, este guia destina-se a veterinários generalistas que desejam aprofundar os seus conhecimentos sobre a gestão da DDVM.
Descubra quando agir, como acompanhar e em que momento deve referenciar para cardiologia especializada.
A patologia cardíaca mais comum em cães
A Doença Degenerativa Valvular Mitral (DDVM), também conhecida como endocardiose mitral, é a patologia cardíaca mais frequente em cães.
Embora atinja todas as raças, as de pequeno e médio porte, acima dos 7anos, são as mais afetadas. Nos cães de raça grande, apesar de menos prevalente, o prognóstico tende a ser mais reservado.
A origem da doença ainda não é totalmente compreendida, mas presume-se um caráter multifatorial, com forte componente genético. Raças como o Cavalier King Charles Spaniel e o Teckel apresentam especial predisposição.
Fisiopatologia da DDVM
A válvula mitral regula o fluxo de sangue entre o átrio e o ventrículo esquerdos, impedindo o refluxo durante a sístole. Na DDVM, os folhetos da válvula tornam-se espessos e deformados, comprometendo a sua função.
Este processo leva à regurgitação mitral, ou seja, parte do sangue flui de volta para o átrio esquerdo. Com o tempo, esta sobrecarga provoca dilatação das câmaras esquerdas e aumento da pressão venosa pulmonar.
Se não tratada, esta evolução culmina num quadro de edema pulmonar, condição clínica grave, associada a dispneia e risco de vida.
Identificar precocemente: a importância do sopro
A DDVM é, muitas vezes, silenciosa nas fases iniciais. O sopro sistólico apical esquerdo é o primeiro sinal de alerta, detetável em auscultação de rotina.
Ao identificar um sopro, é essencial recorrer à ecocardiografia, método que permite:
● Confirmar o diagnóstico
● Avaliar a gravidade da regurgitação
● Classificar o estadio da doença
● Estabelecer o plano terapêutico, quando indicado
Idealmente, esta avaliação deve ser repetida anualmente em estadios iniciais da doença ou trimestral/semestral em estadios mais avançados.
Classificação ACVIM: A, B1, B2, C e D
A classificação mais usada é a da ACVIM, que divide a doença em quatro estádios:
Estadio A: Raças predispostas geneticamente
Neste estadio incluem-se as raças com elevado risco de desenvolver a DVDM, como é o caso do Cavalier King Charles Spaniel, em que ocorre em idades muito mais precoces, não tendo ainda alterações estruturais identificaveis ou sopro.
Classe B1: Doença precoce, sem alterações cardíacas
O cão apresenta, geralmente, um sopro detetável à auscultação e alteração estrutural da válvula com regurgitacão, mas sem evidência ecocardiográfica de dilatação do átrio ou ventrículo esquerdos. Nesta fase, o animal está assintomático e não há indicação para iniciar terapêutica. O controlo deve ser feito com ecocardiografia anual.
Eis as características principais da Classe B1:
● Sopro geralmente presente
● Assintomático
● Alteração valvular sem dilatação esquerda
● Sem indicação terapêutica
● Controlo anual por ecocardiografia
Classe B2: Início de remodelação cardíaca
Além do sopro e da regurgitação valvular, a ecocardiografia revela dilatação do átrio e ventrículo esquerdos, sinal de progressão da doença. Nesta fase o animal pode estar assintomático ou apresentar tosse por compressão de recetores da tosse, que se encontram nos brônquios, pela cardiomegalia. Está indicado iniciar terapêutica com Pimobendan, que comprovadamente atrasa a evolução para insuficiência cardíaca. A monitorização da frequência respiratória em repouso em casa também passa a ser recomendada.
Eis as características principais da Classe B2:
● Sopro presente
● Assintomático ou com tosse
● Alteração valvular
● Dilatação simultânea do átrio e ventrículo esquerdos
● Início da terapêutica com Pimobendan
● Estudos indicam atraso na progressão da doença em até 15 meses
● Instrução para monitorização da frequência respiratória em casa
● Controlo semestral/anual
Classe C: Insuficiência cardíaca congestiva
O cão entra em fase clínica, apresentando sinais como intolerância ao exercício, tosse, taquipneia ou dispneia. Confirma-se a presença de edema pulmonar, exigindo muitas vezes hospitalização com oxigenoterapia e adição de diuréticos (como furosemida), considera-se a introdução de IECA e espironolactona. A avaliação da função renal e eletrólitos torna-se essencial nesta fase.
Eis as duas características principais da Classe C:
● Instalação de sinais clínicos como:
- Intolerância ao exercício
- Aumento da frequência respiratória
- Dispneia
● Diagnóstico de edema pulmonar ao Raio-X
● Introdução de diuréticos e, quando indicado, IECA e espironolactona
● Avaliação periódica de função renal e eletrólitos
● Controlo trimestral/semestral
Classe D: Doença avançada e refratária
O animal já não responde de forma eficaz à terapêutica convencional. São necessários ajustes frequentes de medicação, e ocorrem mais episódios de descompensação que exigem internamento, oxigenoterapia ou medicação intravenosa.
Eis as características principais da Classe D:
● Insuficiência cardíaca refratária à terapêutica convencional
● Requer ajustes frequentes da medicação
● Implica mais episodios de hospitalização para estabilização
Quando referenciar para cardiologia veterinária
Veterinários generalistas devem referenciar para consulta de cardiologia sempre que se verifiquem:
● Sopro
● Tosse
● Intolerância ao exercício ou síncopes
● Taquipneia persistente/dispneia
● Animais seniores de difícil auscultação (braquicefálicos ou obesos)
● Raças predispostas como o Cavalier King Charles para despiste em idade jovem (>1-2A)
Exames complementares a considerar
Na suspeita ou seguimento da DDVM, são úteis:
● Ecocardiografia
● Eletrocardiograma e/ou Holter, em casos de arritmia
● Raio-X torácico, para avaliar a presença de cardiomegália e congestão
● Análises sanguíneas regulares, em fases avançadas ou sob terapêutica
Conclusão: a chave está na vigilância
A deteção precoce da DDVM é possível através de uma auscultação regular e avaliação ecocardiografica, e é essencial para conseguir evitar a progressão da doença para estadios graves.
Nas fases avançadas, quando bem acompanhada, permite que os animais mantenham uma boa qualidade de vida.
A ecardio disponibiliza serviços de ecocardiografia e consulta especializada de cardiologia no seu centro veterinário, adaptando-se à rotina do animal e evitando deslocações desnecessárias.