Cardiomiopatia hipertrófica em gatos: o que deve saber

A doença cardíaca mais comum nos gatos, explicada de forma clara e prática. Diagnóstico, estadiamento e gestão clínica da CMH ao alcance do seu centro veterinário.
29 Junho 2025
Cardiomiopatia hipertrófica em gatos

A cardiomiopatia hipertrófica felina (CMH) é a doença cardíaca mais comum nos gatos. Na maioria dos casos, progride de forma silenciosa, tornando o diagnóstico precoce um desafio.

Este artigo explora os fundamentos da CMH, os sinais clínicos, o estadiamento, o diagnóstico e as opções terapêuticas, essenciais para uma gestão eficaz do paciente felino cardiopata.

O que é a cardiomiopatia hipertrófica (CMH)?

A CMH caracteriza-se por uma hipertrofia da parede do ventrículo esquerdo. Essa alteração compromete o relaxamento e enchimento ventricular (diástole), podendo originar aumento do átrio esquerdo, e insuficiência cardíaca congestiva esquerda.

Pode ainda ocorrer:
obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo
formação de trombos
arritmias

Raças de gatos predispostas e genética associada

Apesar de gatos de qualquer raça poderem ser afectados, algumas apresentam maior predisposição, devido a mutações genéticas documentadas.

Raças de gatos com maior risco de CMH

Algumas raças felinas apresentam uma predisposição genética marcada para o desenvolvimento de cardiomiopatia hipertrófica (CMH), em idade jovem, associada a mutações específicas identificadas em vários estudos.

Reconhecer estas raças é fundamental para definir protocolos de rastreio e vigilância mais rigorosos, mesmo na ausência de sinais clínicos:
Maine Coon
Ragdoll
British Shorthair
Persa
Bengal
Sphynx
Norwegian Forest
Birman

Nestas raças o rastreio ecocardiográfico deve iniciar-se entre os 6 e os 12 meses com reavaliações anuais até por volta dos 5 anos.

Como se classifica a CMH em gatos?

Com base nas directrizes do ACVIM (2020), o estadiamento da cardiomiopatia hipertrófica felina (CMH) permite uniformizar a abordagem clínica e terapêutica, adaptando-a à gravidade da doença em cada paciente.
A estratificação por estadios ajuda a antecipar o risco de complicações, definir o momento ideal para iniciar terapêutica e planear o seguimento do caso.

Dividir os pacientes nos seguintes grupos é essencial para tomar decisões informadas e garantir uma gestão mais eficaz da CMH em felinos:
Estadio A: predispostos, sem alterações ecocardiográficas
Estadio B1: sem sinais clínicos, com baixo risco de ICC/tromboembolismo
Estadio B2: sem sinais clínicos, mas com alto risco de ICC/tromboembolismo
Estadio C: presença de sinais clínicos devido a ICC/tromboembolismo
Estadio D: doença refratária ao tratamento

Esta classificação orienta o plano terapêutico e o acompanhamento clínico.

Estadio A

Inclui gatos de raças predispostas ou com histórico familiar de CMH, mas sem quaisquer alterações detetáveis ao ecocardiograma nem sinais clínicos. Estes animais devem ser alvo de rastreio periódico, sobretudo em idade jovem (entre os 6 e os 12 meses), sendo essencial a vigilância anual até aos 5 anos.

Estadio B1

Neste estadio já existe hipertrofia ventricular detectada por ecocardiografia, mas o gato mantém-se assintomático e com baixo risco de desenvolver insuficiência cardíaca congestiva (ICC) ou tromboembolismo. A função cardíaca está relativamente preservada, e a monitorização deve ser mantida com exames regulares, sem necessidade de tratamento imediato.

Estadio B2

Os gatos permanecem assintomáticos, mas apresentam alterações mais marcadas no ecocardiograma, como aumento significativo do átrio esquerdo, sugerindo maior risco de ICC e fenómenos tromboembólicos. A terapêutica preventiva pode ser iniciada neste estádio, como fármacos anticoagulantes, conforme o perfil de risco.

Estadio C

Corresponde à fase clínica da doença, com manifestação de sinais como dispneia, taquipneia, síncope/ colapso, ou paralisia dos membros posteriores. Estes pacientes requerem intervenção médica imediata e contínua, sendo comum a utilização de oxigênio, diuréticos, beta-bloqueadores e anticoagulantes. O plano terapêutico deve ser revisto frequentemente, consoante a evolução do quadro.

Estadio D

Representa a fase terminal da CMH, em que o animal já não responde adequadamente ao tratamento instituído. O controlo dos sintomas torna-se mais desafiante e os episódios de descompensação são frequentes.

Sinais clínicos e apresentação

A maioria dos gatos com CMH é assintomática. No entanto, alguns sinais podem surgir, sobretudo em estadios mais avançados:
dispneia/taquipneia
síncope ou colapsos súbitos
arritmias ou sopro detectáveis à auscultação 
paralisia súbita dos membros posteriores

Diagnóstico: como confirmar a CMH

O diagnóstico da cardiomiopatia hipertrófica felina pode ser desafiante, especialmente nos casos subclínicos. A identificação precoce exige exames complementares que permitam avaliar a morfologia cardíaca, a função do miocárdio e eventuais alterações sistémicas associadas.

Uma abordagem diagnóstica completa é essencial para confirmar a presença da doença, estabelecer o estadio clínico e orientar o plano terapêutico de forma individualizada.
A ecocardiografia é o exame de eleição. Permite avaliar a morfologia cardíaca, a função sistólica e diastólica, o ritmo, e identificar fatores de prognóstico.

Outros exames complementares que podem ser necessários:
Eletrocardiograma (ECG) – classificação de arritmias
Medição da pressão arterial sistémica
Medição de proBNP – marcador de stress miocárdico
Medição de hormona t4
Radiografia torácica – para detectar cardiomegalia e identificar congestão pulmonar

Terapia médica: como actuar

O tratamento depende do estadio da doença. A medicação tem como objectivos:
melhorar o relaxamento ventricular
prevenir ICC e tromboembolismo
controlar arritmias

Medicamentos comuns:

Diuréticos (furosemida, torasemida)
Anticoagulantes (rivaroxabano/clopidogrel)
Beta-bloqueadores (atenolol)Inibidores da ECA (benazepril)

O acompanhamento deve ser regular para ajustar doses e reavaliar o estado cardíaco.

Rastreio: quando e a que gatos?

O rastreio precoce é essencial, sobretudo em gatos de raças predispostas.

Recomendações da ecardio:
Primeira ecocardiografia entre os 6-12 meses
Anualmente até aos 3 a 5 anos
Pré-anestesia ou em situações que seja necessário uma fluidoterapia

Conclusão: o papel do veterinário especializado em cardiologia no diagnóstico precoce

Sendo a CMH uma doença silenciosa, a detecção atempada pode fazer a diferença entre uma vida comprometida e uma vida estável. A colaboração entre clínicos e equipas especializadas, como a da ecardio, permite oferecer um diagnóstico preciso e um plano terapêutico adaptado.

Se detectar um sopro, ritmo cardíaco alterado, sinais de taquipneia inexplicada, ou caso acompanhe raças predispostas, considere a referência para avaliação cardíaca com ecocardiografia.